quinta-feira, julho 22, 2004

Submundinho

"Oi, eu deixei aqui umas coisas para ver se interess..."
"Não, não vamos comprar nada. Pode levar", disse o homem gordo, sem se virar pra me olhar. Já estava saindo com a minha sacolinha quando vi que uma mulher me olhava meio torto, com um interesse estranho. Ops! Não, não tem nada de errado com o meu decote (deve ser porque eu sou alta, mas sempre tenho a impressão de que as pessoas estão olhando para o meu decote). Ela me cutucou.
"Ei, eu compro", disse, quase sem fazer barulho, meio de canto de boca e sem olhar direto pra mim. "Mas não pode ser aqui. Sai, e eu te encontro em dez minutos na esquina, perto de uma muretinha cinza que tem lá. Leva a sacola".
Achei estranho, e não fui direito para a esquina esperá-la. Fiquei espreitando do lado de fora da loja, esperando que ela aparecesse. E saiu andando rápido, carrinho de bebê à frente, envolto nas baforadas de fumaça que ela soltava.

"Ei!" Fui atrás. Ela olhou para os dois lados, viramos a esquina, parou. Também parei.
"Quanto você quer? Eu sou sincera, não vou pagar o que vale".
"Cinquenta". Ela me olhou cínica, com um ar de "minha filha, você não conhece como funciona esse negócio, não é?". Puxou outro cigarro, acendeu, colocou na boca e ficou me encarando, apoiada no carrinho.
"Tá, eu faço por quarenta". E ela, com a cara: "tudo bem, colher de chá pra você".
"Eu não tenho tudo agora. Deixa comigo e eu te entrego o resto do dinheiro amanhã. Pode confiar, eu não vou perder uma amiga por causa de dinheiro". Baforada. Amiga? Não sabia se me sentia lisonjeada ou com medo (menina, que amigos são esses com que você foi se meter?).
"Anh..."
"Tudo bem, tudo bem", balançando a cabeça, impaciente. "Me encontra aqui amanhã, meio dia e meia. Traga a sacola, eu trago o dinheiro. Mas não conte pra ninguém. E venha sozinha."

Naftalina, conhecendo o submundo do tráfico de calças jeans da vila madalena





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