terça-feira, janeiro 15, 2002

Sobre o tempo

Já que a Calliope resolveu resgatar um texto, vou fazer o mesmo. Esse, recebi do nosso amigo Abraxas.

Não mais, não ainda: a palavra na democracia e na psicanálise
Jurandir Freire Costa


  Nas Confissões (XI, 28), Santo Agostinho dizia: "Portanto, o
futuro não é um tempo longo, porque ele não existe: o futuro longo é apenas
a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe,
mas o pretérito longo outra coisa não é senão a longa lembrança do passado"
(1973, p. 255). Hannah Arendt fez desta afirmação o centro irradiador de sua
reflexão sobre a condição humana: "É só chamando o futuro e o passado no
presente da recordação e da expectação que o tempo existe"(1996, p. 15). "A
memória é a presença do não mais como a expectação é a presença do não
ainda" (idem).
  O discurso de Agostinho é religioso e o de Arendt é político
mas ambos ilustram perfeitamente o essencial de Freud: entre o "não mais" e
o "não ainda" inscreve-se a palavra fundadora do sujeito. A psicanálise como
a democracia fazem parte de uma forma de vida em que o sujeito é pensado
como um futuro imprevisível, e a imprevisibilidade, apesar de inquietante,
deve ser investida como desejável. Do contrário, diz Agostinho, temos o
hábito, a verdadeira fonte do pecado. Ou, nos seus próprios termos, "a
inclinação do mundo para valorizar seus pecados deve-se menos à paixão do
que ao hábito". É o hábito que consolida aquilo que os homens fundam na
cobiça. "O hábito", prossegue Arendt, "é o eterno ontem e não tem futuro.
Seu amanhã é idêntico ao hoje" (p. 83).

Alice

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